Vinho

 

  • Que gosto tem o amor? - pergunta sem interesse, sentando ao balcão do bar, que naquele horário, já está quase vazio. 


O barman não diz nada. Pega uma garrafa da prateleira e botando próximo ao homem, enche uma taça e o entrega, que lê o rótulo. 

  • “Vinho seco”? Por que? 

  • Desce amargo. À primeira vista, não muito saboroso, mas nas mãos de um bom entendedor, junto de momentos ideais, se torna uma ótima bebida. Fora que o efeito bate sem ao menos que perceba. 

  • É... Tem razão. 

  • Tem cara de quem está de ressaca dessa bebida. 

  • Estou. Não aguentava mais esse gosto na boca. 

  • E por que pediu essa? 

  • Achei que poderia ter me enganado. Que poderia ter pedido uma bebida errada. 

  • Isso lhe ajudaria? 

  • Acho que sim. Iria atrás da bebida certa, do gosto certo. 

  • Não é bem assim que funciona. Quanto mais buscamos, menos apreciamos os gostos. Nem sempre vamos sentir a mesma sensação com a mesma bebida, por isso que falei que vai depender do momento. 

  • Momento? - pergunta em meio a um riso – No que isso ajudaria? 

  • Muitos momentos bons estão camuflados de tristeza. Se recuperar uma lembrança antiga, ela pode machucar como pode curar. 


O homem tira o contato visual, inquebrável até esse momento, pega a taça e bebe todo seu conteúdo rapidamente. 

 

  • Calma aí, campeão. Não é o tipo de bebida que se consome assim – fala ao encher a taça novamente - Não, não. Ela se bebe com delicadeza. Tente sentir mais do que acha que sente. 

  • Do que tá falando? 

  • Geralmente, quando as pessoas vêm aqui, querem beber sem parar, encher a cara e voltar para um novo dia como se nada tivesse acontecido. Mas, com certas bebidas isso não funciona. Não são momentos passageiros, são transformadores de momentos. 

  • Sinceramente, que diferença tem? 

  • Uma dose você esquece o que fez. Outra, te faz lembrar do porque fez. É bem simples. 

  • Você tá me fazendo repensar se quero realmente beber. 

  • Pode até ser isso, mas por que veio aqui? 

  • Sinto que já fez essa pergunta. 

  • A resposta se mantém? 

  • Deveria? 

  • Talvez. Não é muito comum mudar de opinião tão rápido. 


O homem bebe mais um pouco, dessa vez, um pouco mais devagar, sentindo a convergência de gosto descer e ser absorvida pelo seu corpo. 

  • Eu queria sentir novamente. Faz um bom tempo que não sinto o gosto. Faz muito tempo que esse efeito não bate. 

  • E quer isso? 

  • Muito, mas... Desde da última vez... Bom, não foi uma boa experiência. 

  • Passou do ponto, não é? 

  • Sim. A famosa ressaca bate para todos. Então, tentei voltar aqui, pedir mais um pouco e talvez, sentir aquele mesmo gosto novamente. 

  • Aí que está. Como eu disse, não sentimos o mesmo gosto sempre. Nosso paladar muda, nossos gostos mudam. 

  • Você não entende. É a minha bebida favorita. 

  • Então sugiro uma coisa. 


O barman pega uma coqueteria, e começa a misturar pequenas doses de algumas bebidas a disposição, juntamente com açúcar, que também põe no copo que despeja a bebida. Corta um limão ao meio e fixa ao copo e serve para o homem, junto com um canudo, também cortado a metade de seu tamanho. 


  • Isso vai te ajudar a tirar o gosto ruim da boca. As vezes só precisamos disso para aproveitarmos o que vem por aí. 

  • Acha que vai ajudar? - pergunta ao beber um pouco do drink na sua frente – Nossa, é muito bom. O que é? 

  • Tempo.