Casa | Parte I

Ilustração: @ilustra.eug

O caminho começa a escurecer sem que Aurélio perceba. As nuvens espessas já cobrem boa parte das últimas forças do astro rei, dourado no horizonte. A tarde, que parecia calma, agora traz uma promessa de noite fria e sem cor. Aurélio acelera o carro o máximo que pode. A estrada está vazia, sem sinal de outro veículo à vista, o que só piora seu estado de espírito. Ele começa a ter calafrios ao pensar no que pode acontecer se a noite cair e ele não conseguir terminar de atravessar aquele atalho pelas serras. Seu pensamento vagueia até a cidade, onde a ideia de estar no conforto do calor humano é reconfortante. Promete a si mesmo que nunca mais viajará ao fim do dia.


Mas sua pressa é inútil. Logo ele sente o volante pesar, a direção pende para o lado da estrada. Com um suspiro de frustração, ele é obrigado a parar o carro. Sai do veículo apressado, olhando para os pneus. Todos os quatro estão furados. Inacreditável. Ele olha para trás, examinando a estrada, mas não parece haver nada que pudesse ter causado o incidente. "Só o que me faltava...", murmura, colocando as mãos na cintura. O sol está no fim de sua jornada, oferecendo os últimos minutos de luz natural.


Aurélio pensa em esperar, torcendo para que alguém passe. Porém, ele se lembra das últimas horas, dirigindo sem ver um único carro. A chance de outra pessoa aparecer é mínima. O temor de ficar ali até o anoitecer o consome. Ele pega o celular dentro do carro, mas está sem sinal. Sua única opção é seguir andando, talvez encontrar algum posto de gasolina ou um lugar onde possa conseguir ajuda.


Desabotoando o terno para se sentir mais à vontade, Aurélio começa a descer a estrada, trancando o carro e guardando as chaves no bolso. Após alguns minutos de caminhada, a solidão da estrada começa a pesar. Não há sinal de civilização, apenas árvores que o cercam. A cada poucos minutos, ele checa o celular, na esperança de conseguir algum sinal, mas sem sucesso. Seus nervos começam a se desgastar, quando finalmente avista uma pequena estrada de terra, desviando do caminho principal. Parece levar a algum sítio. Com um misto de alívio e hesitação, ele decide arriscar.


O novo caminho é mais aberto do que esperava, com árvores espaçadas e, em pouco tempo, Aurélio avista um casarão. O portão de ferro está aberto e marcas de pneus no chão indicam que alguém passou por ali recentemente. As luzes da casa estão acesas. Ele bate palmas, tentando chamar a atenção de quem quer que esteja dentro. Vê uma silhueta na janela, alguém o observa de longe.


"Oi! Meu carro quebrou ali atrás, você pode me ajudar?", ele grita, esperando que sua voz alcance a pessoa lá dentro. Mas a figura não responde. Aurélio sente o desconforto crescer. A pessoa o ignora ou simplesmente não ouviu? Ele dá meia-volta, pensando em voltar para o carro e esperar por ajuda ali, quando ouve o som da porta do casarão se abrindo. Ninguém está à vista, mas a porta está escancarada, convidando-o a entrar. O estômago de Aurélio se revira.


O caminho de volta para o carro está quase imerso na escuridão. Entrar naquela casa é arriscado, mas passar a noite sozinho na estrada, cercado pela escuridão opressora, parece ainda pior. Ele hesita por um momento, tentando decidir entre o medo do desconhecido e o desespero pela sobrevivência. Com a garganta seca e o coração acelerado, ele opta por seguir em frente, na esperança de encontrar ajuda.


A porta range enquanto ele a empurra, revelando um hall de entrada amplo, mas vazio. As paredes estão cobertas de retratos antigos, rostos que parecem observá-lo com olhares vazios. O cheiro de mofo e madeira envelhecida invade suas narinas, aumentando seu desconforto. "Olá? Tem alguém aqui?", ele chama mais uma vez, mas sua voz ecoa pelo ambiente sem resposta.


Ele ri, nervoso. Já assistiu a filmes demais para saber que essa é a pergunta que nunca se deve fazer, mas ali estava ele, fazendo-a de qualquer forma. À medida que explora a casa, Aurélio percebe sombras que parecem se mover pelos cantos de sua visão. Quando ele se vira para encará-las, porém, não há nada. As luzes, embora ligadas, piscam ocasionalmente, lançando o ambiente em um jogo de luz e sombra que o deixa ainda mais inquieto.


Cada cômodo que passa aumenta a sensação de ser observado. No quarto à esquerda, um espelho empoeirado reflete uma silhueta que desaparece no instante em que ele se aproxima, deixando-o apenas com seu próprio reflexo assustado. O coração bate mais rápido. Ele respira fundo, tentando se acalmar, mas é difícil. A sensação de que algo está sempre a um passo atrás dele não o abandona.


No fim de um corredor, uma porta entreaberta parece chamá-lo. Ao empurrá-la, Aurélio entra em um pequeno escritório. Na mesa, um livro empoeirado o aguarda. Ele o abre e se depara com páginas cheias de anotações. Frases perturbadoras como "não olhe para a janela" e "ele vem quando a luz pisca" saltam aos seus olhos. Um calafrio percorre sua espinha. A mão trêmula folheia as páginas, mas seu olhar é atraído por um som. Passos. Leves e furtivos, como se alguém estivesse se aproximando. Ele se vira, mas não vê ninguém.


A porta do escritório se fecha abruptamente. O som ecoa, e ele está preso. O pânico toma conta. Sem pensar, ele corre até a janela, tentando enxergar algo lá fora, mas o que vê o deixa incrédulo. O som distante de um carro chama sua atenção, mas, quando olha, o veículo já desapareceu. Então, algo pior acontece. Uma voz ecoa na noite — um grito de socorro. Sua mente se debate entre o medo de estar enlouquecendo e a urgência de escapar.


Quando a última luz se apaga, Aurélio é engolido pela escuridão total. O som de murmúrios preenche o ar, e ele percebe que a casa não está tão vazia quanto parece.